INSTITUTO CALDEIRA
Terça a domingo, das 9h às 19h
Última entrada: 18h20
Rua Frederico Mentz, 1606 - Navegantes
Transe:
A mostra Transe foi a primeira experiência da Bienal do Mercosul com um edital público, de amplo acesso e com avaliação às cegas. Um salto pleno de confiança, cônscio de que tempos inextricáveis convocam a novas atitudes, a bricolagens, a construção de saberes. Dos quase 900 projetos inscritos, os 20 selecionados irão compor não apenas uma mostra de arte, mas um ecossistema: cada obra ou proposição se manifesta como formas de vida que emulam desejos e o nosso Zeitgeist.
Temas como a magneto percepção que guia as aves nas migrações; a transformação que o corpo humano opera em sua identidade no mundo; as formas de comunicação entre seres vivos e inteligência artificial, são algumas das partes desta trama que Transe trança. Diversa de um processo mais tradicional de curadoria, no qual são escolhidas obras já realizadas, em Transe somos movidos por projetos, visões, ideias: estas estruturas mentais que precisam de um suporte acolhedor para tomar forma.
ARTISTAS:
Bruno Borne
Porto Alegre, Brasil, 1979. Vive e trabalha em Porto Alegre, Brasil.
As obras de Bruno Borne costumam misturar diferentes escalas de percepção. Sua poética é marcada pela criação de ambientes instalativos, com vídeos criados com computação gráfica e que proporcionam uma experiência imersiva e contemplativa. Gravitas está centrada no encontro entre imagem e som. A partir de uma tomada aérea de Porto Alegre em dois períodos de transição solar – o amanhecer e o entardecer –, uma projeção em uma superfície parabólica de 4,5 metros de diâmetro apresenta movimentos de subida e descida, ampliados até ultrapassarem as nuvens. O movimento da câmera é acompanhado por um toque de gongo sinfônico, que traz à obra uma simbologia íntima, de escala corporal. A ideia de gravidade, fenômeno fundamental na física, responsável pelo movimento dos astros, estrelas e, portanto, pelos ciclos de dia e noite que regulam nosso tempo, aparece como força atratora em contraponto à leveza das imagens aéreas.
Cesar & Lois
Cesar Baio
Jundiaí, Brasil, 1978. Vive e trabalha em Campinas, Brasil.
Lucy HG Solomon
Boston, Estados Unidos, 1975. Vive e trabalha em Escondido, Estados Unidos.
A instalação Mycorrhizal Insurrection concebe uma inteligência artificial não antropocêntrica que toma decisões baseando-se na lógica do micélio, propondo reorientar as sociedades humanas e suas tecnologias em favor dos interesses e sobrevivência do ecossistema planetário. Essa utopia ecológica, marcada pela integração de inteligências pré-humanas (microrganismos) e pós-humanas (inteligência artificial), desafia poeticamente as raízes do Antropoceno e propõe uma nova consciência em resposta aos traumas causados pela espoliação global dos ecossistemas. A obra estabelece um canal de comunicação subversivo entre redes de micélio e sistemas de comunicação humanos. Uma inteligência híbrida biodigital, composta por algoritmos de inteligência artificial, micélios vivos (cogumelos) e redes digitais, desafia as raízes da colonização da natureza pela humanidade e preconiza formas de existir que integrem humanos e não humanos em redes ecossistêmicas equitativas.
Craca
São Paulo, Brasil, 1975. Vive e trabalha em São Paulo, Brasil.
A instalação sonora interativa Ouvir simula o processo de aprendizado de uma comunidade e a criação de um léxico a partir de trocas meméticas de informações entre seus indivíduos e/ou com o público visitante. A obra é formada por quase 200 criaturas emissoras de melodias, dispostas fisicamente em uma rede que invade e se apropria do espaço arquitetônico à semelhança das raízes de uma planta, uma ramificação de veias ou mesmo uma rede neural. Esses indivíduos ouvem, aprendem e reproduzem léxicos melódicos por meio de um sistema de machine learning e reconhecimento de padrões criados mediante o uso de inteligência artificial. O público é convidado a intervir e colaborar com o processo de aprendizado, conversando, cantando e assobiando junto às cócleas – objetos simbólicos, suspensos no espaço, gerados a partir de modelos tridimensionais de ouvidos internos humanos. A obra acumulará aprendizado ao longo do período expositivo, e o que se ouvirá nessa ocupação acústica será o resultado desse processo.
Esfincter
Luis Enrique Zela-Koort
Virginia, Estados Unidos, 1994. Vive e trabalha em Lima, Peru.
Genietta Varsi
Lima, Peru, 1991. Vive e trabalha entre Helsinki, Finlândia, e São Paulo, Brasil.
O duo Esfincter busca contribuir para a criação de novos mundos possíveis, avançando e reinventando sensibilidades pré-modernas que rejeitam os limites ficcionais da modernidade. Sua obra adota uma cosmovisão circular sobre a vida e a morte, bem como uma subjetividade permeável em que a atividade humana é simplesmente mais um devir. Com Órgano primo: condensador de cuerpos, uma máquina-órgão interativa, os artistas visam criar rituais contemporâneos que atualizem a circularidade das cosmovisões pré-modernas. A instalação, que lembra um esfíncter digestivo, coleta composto orgânico e destila a putrefação em sopa primordial – o líquido hipotético onde a vida surgiu pela primeira vez –, adaptando, em uma configuração escultural e automatizada, o experimento de Miller-Urey que abriu as portas para a crença de que a matéria precursora da vida poderia ter se formado espontaneamente. A obra é um ritual de construção de pontes epistêmicas, um convite aos espectadores a desfazerem as fronteiras entre o eu e o mundo.
Estela Sokol
São Paulo, Brasil, 1979. Vive e trabalha em São Paulo, Brasil.
A artista apresenta duas instalações que interagem com as variações de luminosidade do ambiente. Feitas com tecido tingido com pigmento fotoluminoso, as esculturas mudam de cor conforme a variação da luz do entorno, desvelando novas cores e tons em um jogo de luz e sombra. O efeito fotoluminescente do tecido se dá pela captação da luz natural e/ou artificial e torna-se aparente em ambientes com baixa luminosidade, quando os fótons, já carregados, passam a emitir luz. Prólogo e Vitrôzinho propõem, assim, um diálogo com as entradas de luz do prédio onde estão instaladas. Enquanto a primeira obra se transforma ao longo do dia, a segunda requisita a intervenção dos mediadores para ativá-la manipulando a cortina que bloqueia a única entrada de luz na sala.
Fernando Sicco
Montevidéu, Uruguai, 1961. Vive e trabalha em Montevidéu, Uruguai.
Como podemos nos posicionar contra as afirmações e opiniões que circulam na Internet a respeito dos direitos? O que acontece quando a enunciação de direitos para uma alteridade genérica não é filtrada pela empatia, razão ou ética? O projeto D.U.D.O Declaración Universal de Derechos de Otres, Otras, Otros é uma investigação sobre a impostura subjetiva em que se sustenta todo discurso que atribui direitos, em uma tentativa sempre fracassada de gerir a diversidade e o conflito humanos. A videoinstalação de Fernando Sicco apresenta mais de 80 avatares animados, criados por apropriação artística de um aplicativo para fins educacionais. Esses avatares reproduzem mais de 600 frases retiradas do Google e que concedem garantias à terceira pessoa do plural como sujeito omitido: "têm direito". A obra propõe aos visitantes uma experiência que pode ser perturbadora, engraçada ou angustiante, obrigando-nos a refletir sobre como nos inserimos no discurso coletivo, ora como enunciadores ativos, ora como sujeitos passivos enunciados por outros, em meio a narrativas e territórios pouco claros, diante de tudo o que os avatares nos devolvem como espelho. D.U.D.O. envolve o espectador com a relatividade da informação em abundância e os riscos de elevar a opinião à categoria de principal reguladora da convivência.
Nati Canto
São Paulo, Brasil, 1982. Vive e trabalha em São Paulo.
Nati Canto trabalha com materiais diversos, desde a combinação de equipamentos digitais e analógicos, até conhecimentos ancestrais e tecnologias de ponta para explorar como as imagens assumem diferentes significados dependendo dos contextos sociais, históricos e geográficos que as moldam. Sua prática artística mais recente concentra-se na interseção da sua formação em Gastronomia, sua experiência em artes visuais e seus estudos em biomateriais para criar um novo corpo de trabalho que não seja excessivamente agressivo para o meio ambiente. A obra Lalangue, Tropeços e Urucum consiste em um manto de gelatina de urucum e pães de massa morta. Lalangue é uma onomatopeia para designar o que ainda não conseguimos falar. Representa o balbucio, a palavra que ainda não foi processada, que sai tropeçada, como gosma.
Nídia Aranha
Rio de Janeiro, Brasil, 1992. Vive e trabalha em São Paulo, Brasil.
A prática artística de Nídia Aranha passa pela construção de narrativas visuais subversivas, compostas por elementos ficcionais e documentais, que tangenciam relações de desobediência de gênero. Sua produção se materializa em diferentes suportes, como dispositivos de laboratório, próteses e instrumentais cirúrgicos, além de práticas de biohacking, tendo a performatividade e seus registros – pintura, fotografia, manipulação digital e videografia – como afirmação de metodologias científicas experimentais. Em Ordenha 002, a artista explora as possibilidades reais e simbólicas de um corpo trans produzir leite por meio de uma dieta hormonal, utilizando-se da tecnologia para tensionar os papéis de gênero. A obra cria um paralelo entre a exploração das vacas leiteiras pela bovinocultura e a do corpo feminino entendido como pertencente a essa mesma cadeia extrativista.
Pierre Fonseca
Araçuaí, Brasil, 1981. Vive e trabalha em Belo Horizonte.
A obra Brincando com Fogo parte do mito de Prometeu, que rouba o fogo dos deuses e o presenteia à humanidade. Por meio de uma investigação científica cujo objetivo é ensinar o domínio do fogo a uma inteligência artificial, Pierre Fonseca reflete sobre o entendimento ancestral do fogo e sua relação com a chama divina que ilumina a consciência dos seres humanos. Como um laboratório alquímico, a obra busca indagar sobre a ação do fogo no desenvolvimento da consciência humana, ao mesmo tempo em que resgata conhecimentos técnicos ancestrais de povos indígenas para ensiná-los a um algoritmo. O trabalho suscita reflexões sobre a inteligência artificial, que vem abrindo um novo ramo evolutivo inimaginável para a espécie humana, e também sobre o modo como o fogo revolucionou a humanidade.
Transe
A mostra Transe foi a primeira experiência da Bienal do Mercosul com um edital público, de amplo acesso e com avaliação às cegas. Um salto pleno de confiança, cônscio de que tempos inextricáveis convocam a novas atitudes, a bricolagens, a construção de saberes. Dos quase 900 projetos inscritos, os 20 selecionados irão compor não apenas uma mostra de arte, mas um ecossistema: cada obra ou proposição se manifesta como formas de vida que emulam desejos e o nosso Zeitgeist.
Temas como a magneto percepção que guia as aves nas migrações; a transformação que o corpo humano opera em sua identidade no mundo; as formas de comunicação entre seres vivos e inteligência artificial, são algumas das partes desta trama que Transe trança. Diversa de um processo mais tradicional de curadoria, no qual são escolhidas obras já realizadas, em Transe somos movidos por projetos, visões, ideias: estas estruturas mentais que precisam de um suporte acolhedor para tomar forma.
São Paulo, Brasil, 1966. Vive e trabalha no Rio de Janeiro, Brasil.
Diluindo o contorno da fronteira entre a pintura, o desenho e a fotografia, as imagens de Claudia Melli são geradas a partir de um constante estado de atenção às pequenas mudanças e sutilezas dos movimentos cíclicos da natureza. Como contraponto para a brutalidade do mundo, a artista cria obras marcadas pela pausa e o silêncio. Te encontro amanhã na mesma hora fala dos ciclos de vida-morte-vida constantes, que, aqui, brotam a cada pôr do sol. Em tempos de tantas rupturas e barreiras, o micélio representa a ponte que conecta e nutre a vida, podendo ser entendido não como uma coisa, mas como um processo perfeito e constante que nos convida a superar nossa individualidade.
Poema Mühlenberg
Rio de Janeiro, Brasil, 1979. Vive e trabalha em Brasília, Brasil.
Há 19 anos, Poema Mühlenberg pesquisa o design de formas de bambu e sua interação com o corpo humano. Sua obra baseia-se no conceito de biotensegridade, o qual propõe um equilíbrio entre forças de compressão, exercidas por peças rígidas, e de tensão, geradas por peças flexíveis. Ações externas aplicadas sobre essas estruturas são distribuídas por todo o sistema, gerando um funcionamento que se assemelha muito ao do organismo humano. A artista cria dispositivos que podem ser manipulados com as mãos e reagem movimentando tiras coloridas e tecidos fluidos, em uma espécie de dança. Os bambus que compõem o trabalho foram colhidos por Mühlenberg no território que ela habita, no Núcleo Rural Córrego do Urubu, em Brasília.
Elias Maroso
Sarandi, Brasil, 1985. Vive e trabalha em Porto Alegre, Brasil.
Por meio de fotografias de paisagem, estudos em biofísica computacional e engenhos sonoros eletromagnéticos, Elias Maroso desenvolve um processo no qual destaca fenômenos que vão além do olhar humano. Criptocromo (A Cor Escondida) é uma instalação sobre a visão magnética de aves migratórias presentes na cidade de Porto Alegre. Para dar título ao trabalho (título que inclui seu significado em grego), o artista escolheu o nome dado a uma proteína da constituição genética de organismos sensíveis ao magnetismo. Estudos em biologia quântica indicam que esse componente celular é encontrado na retina de alguns pássaros, aos quais confere um aguçado senso de orientação terrestre. Diante dessas evidências, é possível demonstrar que algumas espécies percebem a atividade dos polos magnéticos da Terra a partir de alterações tonais avistadas no horizonte. Propondo a criação de um horizonte perceptivo que ultrapassa a visão antropocêntrica, por meio de imagens-dispositivos, Elias Maroso busca representar a maneira como a “bússola visual” de aves migratórias percebe o geomagnetismo da paisagem local. Um som ambiente que remete ao canto dos pássaros juruviara-boreal é formado pelas vibrações eletromagnéticas geradas por circuitos aderidos à superfície dessas imagens-dispositivos. Essa espécie de aves migra à região Sul do Brasil, precisamente durante o período da 13ª Bienal do Mercosul.
Gabriela Mureb
Niterói, Brasil, 1985. Vive e trabalha no Rio de Janeiro, Brasil.
A obra Sem título (trabalho), de Gabriela Mureb, coloca em evidência a relação homem versus máquina. A artista apresenta uma máquina em funcionamento contínuo cuja ação consiste na permanente manipulação de uma massa viscosa feita de melado de cana de açúcar. A obra parte da observação de máquinas utilizadas industrialmente para automatizar o processo de “puxar” bala, como é chamado o ato artesanal de esticar e dobrar repetidamente a massa de açúcar sobre si mesma, até ela endurecer e atingir o ponto de corte. Se em processos fabris essas máquinas funcionam por períodos curtos, já que rapidamente a massa cristaliza, em Sem Título (trabalho), a máquina apenas trabalha, sem pausas. A massa, colocada diariamente na máquina, é preparada manualmente, reforçando a presença da força de trabalho humana que é necessária para que o ato maquinal se sustente. Por meio de sua produção, Mureb nos coloca diante do contraste entre a força mecânica da máquina e a viscosidade do material, entre a disparidade das horas de trabalho homem-máquina e a fragilidade da massa manipulada, que nunca cristaliza, um gesto escultórico que não se conclui.
Pedro Carneiro
Rio de Janeiro, Brasil, 1988. Vive e trabalha no Rio de Janeiro, Brasil.
A imagem das carrancas, construída ao longo dos séculos, ficou fixada na memória de Pedro Carneiro. Elas emergiram das recordações da primeira carranca de que o artista tem lembrança, vista na casa do seu pai junto com o sal grosso que sua avó lhe ensinou a usar para limpar o corpo. O artista reflete sobre os ensinamentos ancestrais que atravessam o tempo e o espaço e habitam um espaço em transe, trazendo proteção. As 30 carrancas que compõem a instalação remetem aos 30 escravizados que se rebelaram em 15 de maio de 1833 na região de Carrancas, em Minas Gerais. A obra de Carneiro é uma ode ao movimento negro e à luta por liberdade. O trabalho não é apenas uma releitura de esculturas populares, mas também memória e símbolo de luta.
Guto Nóbrega
Cabo Frio, Brasil, 1965. Vive e trabalha em Niterói, Brasil.
A relação entre arte, ciência e tecnologia está na base da produção de Guto Nóbrega. A obra Natureza Híbrida resulta do acoplamento entre organismos naturais e artificiais, mais especificamente, uma planta submersa em um aquário e um dispositivo mecatrônico, sonoro e luminoso. O artista busca desenvolver possibilidades de conexões entre sistemas vegetais e tecnológicos, gerando experiências sensíveis, imersivas e especulativas sobre a existência em diálogo com a natureza e sua organicidade. O resultado é uma instalação híbrida, inspirada na combinação de formas e luzes de criaturas abissais, que reflete o diálogo e a relação entre as diferentes linguagens mescladas.
Vitor Mizael
São Caetano do Sul, Brasil, 1982. Vive e trabalha em São Paulo, Brasil.
Em Diorama, pássaros submetidos ao processo de taxidermia são exibidos com as asas em posição de voo e o pescoço quebrado, remetendo ao momento em que esses animais se chocam contra janelas envidraçadas e morrem. A proposição de Vitor Mizael é um memento mori extremamente preciso por acondicionar o Zeitgeist – sejam as crises ecológicas, sanitárias, ou a relação dos humanos com as outras espécies, notadamente as relações sociourbanísticas da ocupação do território por grandes empreendimentos imobiliários. Poderíamos imaginar o instante em que um pássaro se choca contra um vidro (esta estranha matéria transparente que cerca o mundo dos humanos) como a brutal tomada de consciência de que a realidade, o mundo no qual vivia, é diversa do que seu discernimento concebia. Esta epifania é, com frequência, seguida da morte. A obra de Mizael, representando esse instante estagnado, age como um conto admonitório sobre os riscos de atravessar dois mundos. Os pássaros utilizados por Mizael foram recolhidos após sua morte natural.
Iván Cáceres
La Paz, Bolívia, 1976. Vive e trabalha entre La Paz e El Alto, Bolívia.
A obra de Iván Cáceres incorpora elementos da cultura andina para criar uma instalação sonora interativa. O artista cria uma máquina, um objeto híbrido que convida os visitantes a assistirem, escutarem e explorarem uma codificação de linguagens perdidas através da energia transmitida pelas rendas têxteis que compõem a obra e o próprio corpo. O trabalho parte do chakana – figura geométrica que é um dos símbolos mais importantes dessa cultura, utilizada como ordenadora de conceitos matemáticos, religiosos, filosóficos e sociais das 36 nações reconhecidas na Bolívia e dos povos indígenas da América Latina – juntamente com o Pututu, um instrumento de vento. A instalação deve ser entendida como uma zona de transição entre o real e o onírico, um portal de acesso ao mundo dos sonhos e ao laborioso ofício de construir sua topologia, que o artista vem mapeando com minuciosos desenhos ao longo dos anos, registros de deambulações por um universo onírico que ele busca localizar e compreender.
Leandra Espírito Santo
Volta Redonda, Brasil, 1983. Vive e trabalha em São Paulo, Brasil.
Em sua prática, Leandra Espírito Santo vem abordando o tema da relação entre corpo e tecnologia e a fragmentação da experiência do corpo em ambientes virtuais. Nesta obra, espécie de linha de montagem proposta pela artista, é como se víssemos um estranho rebobinar, fazendo com que partes decepadas se reconectem, em uma metafísica canhestra, a uma forma primordial. São moldes de corpos de matrizes diversas que correm em trilhos frágeis na direção da unificação, talvez ironicamente renascentista, por meio da visão monocular de uma câmera que, por breves instantes, faz das partes secionadas um todo, fugazmente uno, visível em uma televisão anacrônica. Um ser que, então, se despedaça, levando a outra perspectiva: a da fragmentação. Em dimensões de transe xamânico ou com o uso de aditivos alucinógenos, é possível perceber que o corpo uno é apenas uma das configurações que o nosso cérebro constrói de nós mesmos. De certa forma, Re-member é a lembrança desse corpo que se unifica por desígnio de uma vontade misteriosa para si mesmo.
Franco Callegari
Rosário, Argentina, 1996. Vive e trabalha em Rosário, Argentina.
O artista propõe uma instalação site-specific com formigas carpinteiras, espécie cujo sistema de organização e comunicação, altamente complexo, lhe permite percorrer milhares de quilômetros e superar todo tipo de obstáculos em busca de condições adequadas para construir seu ninho e copular. A obra Manifestación surge de uma experiência onírica ocorrida durante o confinamento da pandemia na qual as formigas eram as mensageiras do mundo exterior. Na instalação, uma colônia de formigas se espalha pelos espaços expositivos. Traçando um paralelo com o cenário pandêmico, as formigas nos demonstram, com sua incansável marcha, que é possível superar qualquer adversidade e chegar aos lugares mais inusitados, inclusive o inconsciente.
Claudia Melli
São Paulo, Brasil, 1966. Vive e trabalha no Rio de Janeiro, Brasil.
Diluindo o contorno da fronteira entre a pintura, o desenho e a fotografia, as imagens de Claudia Melli são geradas a partir de um constante estado de atenção às pequenas mudanças e sutilezas dos movimentos cíclicos da natureza. Como contraponto para a brutalidade do mundo, a artista cria obras marcadas pela pausa e o silêncio. Te encontro amanhã na mesma hora fala dos ciclos de vida-morte-vida constantes, que, aqui, brotam a cada pôr do sol. Em tempos de tantas rupturas e barreiras, o micélio representa a ponte que conecta e nutre a vida, podendo ser entendido não como uma coisa, mas como um processo perfeito e constante que nos convida a superar nossa individualidade.