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Estalo

O gesto de se friccionar o dedo polegar e o dedo médio a fim de produzir um barulho rápido que se expande no espaço provoca o encontro entre corpo humano, movimento, efemeridade e questões sônicas.

Estudos recentes demonstram que a duração desse barulho tem aproximadamente sete milissegundos; o piscar de olhos, para fins comparativos, tende a durar cento e cinquenta milissegundos. Trata-se de um gesto voluntário que, para a experiência humana, está relacionado a diversos usos e interpretações: composição musical em gêneros como o blues, o samba, o jazz e o rock n’ roll; uma chamada para a ação; o induzir e o despertar em atos de hipnose; a domesticação de outros animais; a tentativa de recordar uma palavra que esquecemos; um pedido de silêncio em uma sala de aula; uma forma de aplaudir uma apresentação ou de incentivar um discurso em andamento. Em um estalar de dedos, tudo pode se movimentar.

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Na língua portuguesa – diferente das palavras “chasquido”, em espanhol, e “snap”, em inglês -, a palavra “estalo” tem um significado que está para além de uma relação direta com esse gesto. O termo designa muitas situações em que um movimento súbito altera o estado em que se encontram diferentes matérias e, possivelmente, gera sons de diferentes vibrações. O movimento das placas tectônicas que resulta em um terremoto, a sensação de pisarmos sobre o galho caído de uma árvore e o tilintar de um copo cheio de gelo quando derramamos um líquido em seu interior: todas essas ações geram estalos. Alguns possuem uma proporção macro, capazes de alterar e mesmo destruir toda uma cidade; outros estão no campo da micro-história e dos prazeres carnais que às vezes passam despercebidos. No português, a palavra também tem uma camada de leitura que remete à violência: um “estalo” pode ser simplesmente um tapa na cara  assim como a mesma palavra pode se referir a objetos violentados – um vidro estalado – ou a um ruído associado à violência, como o estalo de um chicote.

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Na 14ª Bienal do Mercosul, este título – “Estalo” – é um convite para habitar o  movimento e a transformação de um estado para outro. Um ser vivo age sobre o outro por meio da dança, da matéria sonora, do desenho, da pintura, do vídeo, ou da instalação; queremos reunir artistas e trabalhos interessados em "estalos" relacionados a seres humanos e mais que humanos. Se algumas das pesquisas presentes na bienal trazem algo explosivo devido ao seu caráter agitado, brusco e iconófilo, outros artistas criam visualidades que, por mais que pareçam mais silenciosas, apenas pelo fato de existirem, já podem ser enxergadas como um estalo. Não esqueçamos: há os estalos grandiloquentes e os quase imperceptíveis – do germinar de uma semente à vibração das batidas da trap music, esse é um projeto que versa sobre metamorfose. 

O que acontece quando uma existência se une a outras e, a partir de uma multidão, dançam em um espaço escuro iluminado artificialmente ou sob a luz do sol em uma cidade como Porto Alegre? Quais corpos foram enxergados historicamente como subalternizados e, na contemporaneidade, se movem de maneira corajosa e confiante no espaço público? Como o planeta e seus ciclos, tão abatidos por drásticas mudanças ecológicas, geram movimentos que afetam os corpos humanos e as outras espécies com quem nos colocamos em relação diariamente? De quais formas o estar vivo pode ser enxergado como um ato de resistência?

 

O suor que um dia correu um corpo devido ao medo se torna num suor que é fruto do prazer, do calor, da coragem e de proposições afirmativas – este é, em linhas gerais, o ritmo que desejamos imprimir a esta edição da Bienal do Mercosul.

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