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Não há ‘cicatrização’ sem políticas de reparação

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Não há ‘cicatrização’ sem políticas de reparação

Aline Motta

(Niterói, Brasil, 1974)
A artista visual Aline Motta trabalha com diferentes práticas artísticas, como o vídeo, a fotografia e a instalação, a fim de ressignificar a memória trazendo novos sentidos ao presente. A busca pela genealogia de sua família resultou em uma trilogia que evoca o passado colonial e escravocrata brasileiro. A última parte, o curta-metragem (Outros) Fundamentos, está sendo exibida no Fórum Expanded da Berlinale.

Dana Whabira

Entrevista realizada por Camila Gonzatto, publicada pela primeira vez no site do Instituto Goethe em fevereiro de 2020: 

https://files.cargocollective.com/624463/NO-HEALING-WITHOUT-REPARATIONS---Aline-Motta-s-inteview--.pdf

The complete interview can be read here: 

https://files.cargocollective.com/624463/NO-HEALING-WITHOUT-REPARATIONS---Aline-Motta-s-inteview--.pdf 

1. O vídeo (Outros) Fundamentos é a terceira parte de uma trilogia sobre a história da sua família e, ao mesmo tempo, sobre a história do Brasil. Poderia contar um pouco sobre a gênese desse projeto?

 

Tudo começou com um segredo que minha avó me contou de uma maneira um pouco inesperada. A partir das informações que ela me deu, comecei a pesquisar mais sobre a história da minha família. Fiquei impressionada com a quantidade disponível de documentação, mesmo para uma família negra, pois, erroneamente, achamos que os arquivos foram queimados ou são inexistentes, quando, na verdade, existe ampla documentação sobre a escravidão no Vale do Paraíba, a região cafeeira do Sudeste brasileiro no século 19, por exemplo. Falta uma pesquisa mais profunda em torno deste material, principalmente abordando outros pontos de vista, que não necessariamente foquem na elite senhorial dos “barões do café”, como ainda tem se voltado muito da pesquisa historiográfica no Brasil.

(Outros) Fundamentos vem fechar um elo com minha ida à Nigéria para uma residência artística que durou 32 dias em 2017. O vídeo fala sobre as conexões que estabeleci entre Lagos, na Nigéria, Cachoeira, que fica no Recôncavo Baiano, no Brasil, e o Rio de Janeiro, mais precisamente a Baía de Guanabara. Todas as três cidades são amplamente banhadas pela água. De algum modo, minha presença na comunidade em Lagos causou mais estranhamento do que eu imaginava, e esse sentimento de não pertencer nem no continente africano, nem no Brasil, é a base em que se assenta o filme.

2. Os filmes da trilogia falam sobre separação e encontro. Como você definiu a linguagem dos vídeos e instalações? Como representar essa história cheia de lacunas, encontros e desencontros?

 

Os vídeos da trilogia já foram exibidos sequencialmente em um único espaço com seis projeções. Acho que é uma experiência única e altamente imersiva poder ver de uma só vez todos os trabalhos em telas de quase cinco metros cada uma. As imagens realmente ganham peso, dialogam com o espaço, com a escala do corpo e com a dimensão onírica da sala escura. É interessante notar que o primeiro vídeo tem três telas; o segundo, duas; e o terceiro apenas uma. Como se, de início, a história estivesse mais fragmentada e, ao longo dos anos, as peças fossem se juntando em uma única projeção, que é (Outros) Fundamentos – concluindo uma jornada muito íntima e pessoal, mas que é revelada ao público com imagens em movimento de grandes dimensões.

4. Ao viajar até a Nigéria, você retornou ao continente africano de seus ancestrais – algo que muitos não puderam fazer. De que maneira essa volta impactou sua vida e seu trabalho? É possível uma conciliação ou um diálogo entre passado e presente?

 

Acho que é um retorno de alguém que nunca saiu, mas não é mais reconhecido pelos seus, porque já passou muito tempo distante. Então, esse impasse permeia todo o trabalho, esse entre-lugar do não-pertencimento. Certamente não é conciliação, mas presentificar um passado com o retorno é uma maneira de dizer que estamos aqui, que resistimos e que nunca nos esquecemos.

5. A busca de suas raízes nos leva a uma ferida ainda aberta do Brasil, que é a escravidão, e nos aponta para o racismo que ainda é muito presente na sociedade. A afirmação “embranquecer para não desaparecer” aparece em “(Outros) Fundamentos” como traço essencial de sobrevivência daqueles que foram escravizados e de suas gerações futuras. Você acha que ainda é possível cicatrizar essa ferida? Que papel a arte pode ter nesse processo?

 

A frase “embraquecer ou desaparecer?” é uma referência direta ao livro Peles negras, máscaras brancas, de Frantz Fanon. Essa provocação, no caso do Brasil, ganha dimensões sinistras, quando pensamos que o embranquecimento da população brasileira foi política pública no período da pós-abolição, na virada do século 19 para o 20, com o incentivo do governo à vinda de imigrantes europeus. Não há “cicatrização” possível sem políticas de reparação, que nunca foram amplamente aplicadas no país. E, ainda, as poucas políticas que existem são duramente contestadas, demonstrando profundo racismo, manutenção irrevogável de privilégios da branquitude e um proposital desconhecimento/ apagamento de processos históricos.

Talvez a arte possa despertar em um determinado público algumas conexões profundas, que podem levar a algum entendimento acerca de traumas pessoais, familiares e coletivos. Mas acho que, no Brasil principalmente, as artes visuais ainda são um campo muito restrito e elitista, então tenho dúvidas em relação ao alcance de um trabalho como o meu. Cada vez mais tenho procurado que o trabalho se torne de fato transdisciplinar e que agregue diferentes práticas artísticas e saberes, podendo atuar também fora dos espaços institucionais, e ser usado, por exemplo, como material didático por professores de diferentes disciplinas.

$Postscriptum

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